"A liberdade não é absoluta – vive e cresce no confronto com a do outro"

  • 14/10/2025

"A liberdade é um pilar essencial do pensamento político moderno e do discurso público contemporâneo, presente em constituições, hinos nacionais e narrativas fundadoras. Contudo, nem sempre se apresenta como plenamente garantida – algo que frequentemente revela a distância entre os ideais aspirados e a realidade social.

 

Regressar à Antiguidade, onde a liberdade tinha um lugar de destaque e funcionava como conceito estruturante, pode ser útil para aprofundar a nossa compreensão do conceito e enriquecer os debates e discussões atuais.

Liberdade na Grécia clássica

Na Grécia clássica, a ideia da liberdade surgiu inicialmente num contexto jurídico, evoluindo para um domínio político mais amplo. Abarcava tanto a liberdade coletiva como individual, a liberdade interna e externa, e dava particular relevo à liberdade de expressão. Tanto na Grécia como em Roma, a liberdade política afirmava-se em contraste com os regimes monárquicos.

A partir do século IV a.C., sob a influência de Sócrates, ganhou também uma dimensão filosófica: a liberdade interior, entendida como autodomínio sobre os impulsos e paixões, passou a ser um ideal ético. Ser livre significava manter a serenidade da mente, imune à tirania externa e às tentações. Aristóteles, os Estóicos e os Epicuristas desenvolveram a perspetiva da liberdade interior, teorizando sobre a liberdade de escolha e o livre-arbítrio.

Importa reconhecer, no entanto, os limites desse modelo antigo: a liberdade legal e política não incluiu mulheres e escravos estavam excluídos. Além disso, liberdades que hoje estão centrais na conceção de liberdade, como a religiosa ou a sexual, eram, na melhor das hipóteses, questões marginais ou disputadas.

Ainda assim, os ideais de liberdade da Antiguidade continuam a ser relevantes, especialmente pela sua ligação à democracia ateniense e à república romana: os primeiros sistemas políticos em que decisões coletivas eram tomadas dentro de um enquadramento legal, por cidadãos e para cidadãos, e não impostas por um monarca com autoridade divina.

No estudo da liberdade antiga, é cada vez mais clara a importância de formas frequentemente esquecidas, como a liberdade económica. Temas como as manumissões inscritas em documentos epigráficos, o desenvolvimento do livre-arbítrio, a liberdade de expressão enquanto prática política, e a tensão constante entre liberdade e anarquia ganham uma especial relevância quando abordados a partir de perspetivas sociológicas e culturais, que permitem compreender a liberdade como uma construção dinâmica e historicamente situada.

As lições para o presente

Da Antiguidade extraem-se lições que continuam a interpelar o nosso presente. Uma das mais significativas é a constatação de que a liberdade nunca foi gratuita.

Os regimes monárquicos procuravam assegurar o apoio popular através de dádivas e benefícios – estratégias que acabavam por comprometer a autonomia cívica. A liberdade de expressão, apesar de valorizada nas democracias antigas e até respeitada em certos contextos cristãos primitivos, foi sistematicamente restringida em regimes autocráticos como os reinos helenísticos e o Império Romano.

Importa também destacar que a liberdade nunca foi confundida com anarquia. Pelo contrário, ser livre significava agir dentro de um enquadramento legal, obedecendo a normas coletivamente estabelecidas. Neste ponto, a filosofia antiga oferece um ensinamento valioso: a liberdade depende da maturidade ética e das qualidades mentais que permitem ao indivíduo tomar decisões de forma responsável, sem tutela externa ou vigilância constante.

Esta dimensão da liberdade é hoje mais urgente do que nunca. O avanço acelerado da inteligência artificial e das tecnologias de vigilância coloca em risco a capacidade de autodeterminação individual e obriga-nos a refletir com seriedade sobre o exercício do livre-arbítrio e da escolha consciente. Mais do que um presente legal, a liberdade torna-se uma prática ética que exige lucidez, reflexão e responsabilidade.

A tragédia antiga oferece-nos talvez a mais profunda reflexão sobre os limites da liberdade. Nos palcos de Atenas, as personagens veem-se frequentemente enredadas em conflitos de legitimidade onde todas as escolhas são válidas, mas incompatíveis. O resultado, invariavelmente, é a catástrofe.

Esta lição permanece atual: a liberdade não é absoluta nem isolada – vive e cresce no confronto com a liberdade do outro e duas opiniões opostas podem ser falsas e verdadeiras juntamente. É nesse espaço de tensão que as sociedades democráticas devem cultivar um diálogo aberto, onde todas as vozes possam ser ouvidas e reconhecidas como legítimas e o antagonismo delas possa resultar numa síntese mais alta no senso de Hegel."

FONTE: https://www.noticiasaominuto.com/politica/2870217/a-liberdade-nao-e-absoluta-vive-e-cresce-no-confronto-com-a-do-outro#utm_source=rss-ultima-hora&utm_medium=rss&utm_campaign=rssfeed


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