Empresas de defesa ucranianas devem pensar no pós-guerra para sobreviver
- 14/12/2025
Em entrevista à agência Lusa, Ihor Fedirko dá conta de que as persistentes dúvidas sobre o conflito devem levar os produtores militares ucranianos a trabalhar com qualquer cenário.
"Eu quero acabar com esta guerra", declara o líder da associação que reúne 280 empresas privadas, advertindo, por outro lado, que os russos tentam explorar este desejo e "dividir os ucranianos", ao tentar impor um acordo "a qualquer preço".
As últimas semanas têm sido marcadas pela negociação de um entendimento proposto pelos Estados Unidos, que, na sua versão inicial, implicava condições alinhadas com o Kremlin, incluindo cedência de territórios ucranianos, renúncia de Kiev à NATO e aos seus planos de contingente militar.
Esta versão já foi revista pela Ucrânia, com apoio dos aliados europeus, mas as partes parecem ainda muito longe de um entendimento, apesar da forte pressão da Casa Branca.
"É uma questão muito difícil para mim, para a minha família, para o meu país. E sei que esta será a principal nos próximos meses", reconhece o diretor-geral do Conselho da Indústria de Defesa Ucraniana (UCDI, na sigla em inglês), entre a profusão de informação contraditória sobre os termos de um acordo.
Por agora, julga que "a guerra não vai acabar tão facilmente" e prossegue a internacionalização das empresas ucranianas, que o trouxe a Lisboa na semana passada para assinar um memorando de parcerias com a idD Portugal Defence.
Esta iniciativa está em linha com a meta de aumentar as exportações de armamento que o seu país não consegue absorver, enquanto procura financiamento para subir a produção e parcerias com a indústria da Europa, que por sua vez tem o desafio de responder aos desafios colocados pela subida da despesa militar.
Ihor Fedirko observa que uma eventual suspensão da guerra significa que "as aquisições e o financiamento vão diminuir muito", o que obriga as empresas ucranianas, num total estimado de 800 privadas e 100 públicas, a prepararem-se "se quiserem manter-se vivas".
Nesse sentido, aponta como alternativa a criação de consórcios de projetos prioritários, como pode ser o caso de drones aéreos ou veículos terrestres não tripulados, blindados ou guerra eletrónica.
A par desta estratégia, Fedirko salienta a cooperação internacional como o segundo eixo, dando a oportunidade aos fabricantes ucranianos de criarem empresas comuns no território dos parceiros da Ucrânia, aos quais podem vender os seus produtos, coproduzir outros e ainda negociá-los com outros países: "É assim que estamos a olhar para o futuro do nosso setor", resume.
Além disso, as empresas ucranianas "têm de pensar na tecnologia de dupla utilização [civil e militar], utilizando os seus conhecimentos e experiência no campo de batalha e implementá-los nos seus produtos", defende ainda como estratégia para uma eventual paragem do conflito, ainda que insista que essa não parece uma hipótese imediata.
Nesta fase, Ihor Fedirko entende que os seus associados têm de rejeitar esse cenário e "pensar em defender o país até ao fim", até por experiências de desrespeito de compromissos anteriores que aponta aos líderes russos, desde logo na própria Ucrânia, mas também noutros territórios da região, onde "acabaram sempre por voltar".
Com um valor de produção de 35 mil milhões de dólares (28 mil milhões de euros) em 2025, a Ucrânia apenas consegue absorver 40% desta oferta (ainda que com a meta de aumentar para 55% em 2026), o que tem sido também um dos motivos para a necessidade de acelerar exportações.
Ao mesmo tempo, o país, sob constantes bombardeamentos de saturação russos, visando em particular a sua infraestrutura energética, continua dependente de sistemas de defesa aérea dos seus aliados, adverte Fedirko, referindo ainda munições, explosivos e matérias-primas, além de aviões de combate, que foram objeto de acordos recentes com a França e Suécia.
O mesmo se passa com o pedido reiterado de mísseis norte-americanos Tomahawk e os alemães Taurus, que permanecem pendentes de decisões políticas, quando a Ucrânia já produz os seus mísseis de cruzeiro, como o Flamingo, mas não os balísticos.
"Os russos usam-nos muito e a eficácia é muito elevada", comenta, adicionando também a necessidade de mais sistemas de defesa aérea norte-americanos Patriot, que são insuficientes para neutralizar os ataques combinados de Moscovo.
"Esta dependência continua a existir e precisamos do vosso apoio", frisa o diretor-geral da UCDI, expressando gratidão ao Governo português pela ajuda militar não só bilateral, ao longo de quase quatro anos de guerra, como através de iniciativas e aquisições conjuntas de armas e munições para as forças ucranianas.
Em comparação, Ihor Fedirko explica que os dois beligerantes mantêm sistemas distintos de produção de armamento, em que os russos adotam num sistema vertical e basicamente poucos produtos essenciais, "que estão sempre a aumentar e aperfeiçoar", como os cerca de 2.000 drones Shahed por mês, "o que é mesmo muito", em oposição a um sistema horizontal na Ucrânia.
"Temos dezenas de empresas com dezenas de produtos e o nosso exército trabalha com todas elas", refere, relatando que a infantaria tem por exemplo de "trabalhar com a guerra eletrónica, utilizar diferentes tipos de drones e sistemas robóticos", a somar à diversidade de equipamentos doados pelos aliados.
Tudo isto torna o valor de um soldado ucraniano "muito elevado" pelo tempo e investimento na sua formação, num contexto que diz exigir criatividade, flexibilidade e inteligência para o exército ser eficaz contra um "inimigo enorme e economicamente forte, com vastos recursos humanos", mas "muito rígidos" e com "um preço muito elevado" em baixas na frente de combate.
Nesta luta que opõe "quantidade e qualidade", o diretor-geral da UCDI elogia os esforços de combate à burocracia do Governo ucraniano, que permitiu esta explosão de empresas de equipamento militar num setor que era monopólio do Estado, com os privados a trazer inovação e uma resposta de 95% da produção de drones ou 85% dos sistemas de radar.
Pela negativa, a Ucrânia foi sacudida em novembro por um escândalo de corrupção com centro no setor energético e que atingiu figuras próximas do Presidente Volodymyr Zelensky.
O caso chocou o país e também Ihor Fedirko, que, no entanto, saúda o trabalho das autoridades de investigação com resultado imediato na vaga de demissões dos suspeitos e esperando que não se fique por aqui.
"No que toca às nossas empresas, neste momento não temos qualquer informação de que alguma delas trabalhe através da corrupção", afirma, comentando que se trata de um "assunto muito doloroso durante a guerra", até pelos seus antecedentes profissionais nesta área, incluindo a participação na reforma do Ministério da Defesa em 2016.
Em todo o caso, sustenta que o tema ultrapassa qualquer setor individual e que a luta anticorrupção deve englobar toda a sociedade, "porque está em causa um país inteiro e a sua dignidade".
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