"Espancaram-me". Esteve preso 38 anos devido a confissão coagida
- 20/11/2025
Peter Sullivan esteve 38 anos encarcerado por um crime que não cometeu, devido a uma confissão que, revelou agora, foi coagida pelos agentes que o interrogaram.
O homem, hoje com 68 anos, falou pela primeira vez desde a sua libertação, em maio deste ano, à BBC, recordando tudo o que aconteceu após ser detido e levado para uma sala de interrogação.
Durante os sete primeiros interrogatórios, Sullivan não teve direito a ter um advogado presente, nem sequer um adulto capaz, dado que tem dificuldades de aprendizagem.
A experiência, contou, foi "muito intimidante".
"Eles metiam-me coisas na cabeça, depois mandavam-me de volta para a minha cela, e eu voltava e dizia o que eles queriam, sem perceber o que estava a fazer naquele momento", recordou.
Durante o período em que esteve sob interrogatório, Sullivan disse ter sido agredido na sua cela em duas ocasiões distintas por polícias.
"Eles meteram-me um cobertor por cima e começaram a bater-me com cassetetes por cima do cobertor para que eu cooperasse com eles", afirmou. "Doeu imenso. Eles estavam a espancar-me."
De volta à sala de interrogação, Sullivan ouvia, por parte dos agentes, que se não confessasse o homicídio e violação de que era suspeito seria acusado de "35 outras violações". Tudo isto enquanto lhe era negada comida e o direito a dormir.
Numa outra entrevista, os agentes pediram-lhe para marcar num mapa onde tinha deixado as roupas da vítima (encontrada nua) após o crime.
Quando Sullivan apontou para o local errado, um dos detetives terá respondido: "Vá lá, Peter, tu sabes muito bem onde foi", antes de sugerir qual seria o local "correto".
Nesses mesmos mapas (que nunca chegaram a ver a luz do dia e cujo paradeiro é desconhecido - não se sabendo, por isso, qual será a sua veracidade), Sullivan terá escrito "isto é tudo mentira", de acordo com a sua advogada.
Por fim, o cansaço venceu, e Sullivan acabou por assinar uma confissão em como tinha cometido os crimes: "Tudo o que posso dizer é que foi o bullying que me obrigou a desistir, porque eu não aguentava mais".
Note-se, no entanto, que a primeira vez que Sullivan confessou o crime aconteceu em circunstâncias atípicas: não só não estava presente nenhum advogado, como o interrogatório também não foi gravado (ao contrário dos anteriores).
"Não consigo perdoá-los pelo que me fizeram, porque isto vai ficar comigo para o resto da vida", admitiu Sullivan, acrescentando que "perdeu tudo" por ter sido condenado.
"Tenho de carregar este fardo até conseguir um pedido de desculpas", frisou, dizendo que quer uma explicação para o porquê de os detetives o terem "escolhido".
Polícia diz não ter conhecimento de agressões e ameaças
Em resposta à BBC, a polícia de Merseyside (que conduziu o interrogatório na época) disse não ter conhecido das alegações sobre agressões e ameaças e defendeu que não há qualquer registo dessas situações.
A polícia, no entanto, admite que o aconselhamento jurídico de Sullivan foi inicialmente recusado nas primeiras entrevistas, dizendo que os detetives, na época, tinham receio de revelar a investigação por medo de que as provas fossem destruídas.
Sullivan foi condenado por homicídio em 1986
Peter Sullivan foi condenado em 1986 pelo homicídio de Diane Sindall, uma jovem de 21 anos, encontrada em agosto seminua num beco em Birkenhead, em Inglaterra.
Duas semanas depois, as suas roupas foram encontradas parcialmente queimadas numa zona de arvoredo a cerca de uma hora a pé do sítio onde o corpo tinha sido descoberto.
Após uma reportagem, também da BBC ter ido para o ar na altura, começaram a surgir testemunhas a colocar Sullivan num pub perto do local do crime. Outros alegavam ter visto um homem cuja descrição era semelhante à de Sullivan perto do local onde foram encontradas as roupas.
Pouco mais de um mês depois de Diane ser assassinada, o então jovem de 29 anos, foi detido. Ao longo de quatro semanas, Sullivan foi interrogado 22 vezes.
Condenação foi revertida devido a prova de ADN
O fim da sentença começou a ser vislumbrado em 2023 quando uma comissão que revê casos criminais (exatamente para corrigir condenações erradas) ordenou que fossem testadas as amostras de esperma encontradas no corpo de Diane, na época. Os testes comprovaram que Sullivan não era o culpado.
Em maio de 2025, o juiz tomou a decisão: após 38 anos, Sullivan ia ser libertado.
"A minha virou-se para mim antes de morrer e disse-me: 'Eu quero que continues a lutar este caso, porque eu sei que não fizeste nada de errado'", recordou o homem. A mãe de Sullivan nunca voltou a ver o filho sem ser atrás das grades - mas a Justiça provou agora que estava certa.
"Quando voltaram com o veredicto de que o meu caso tinha sido anulado, [a agente de liberdade condicional] começou a chorar primeiro", contou. "Ela virou-se e disse: 'Peter, vais para casa'. No minuto seguinte, bang, todas as lágrimas começaram a escorrer-me pela cara e eu disse: 'Sim, foi feita justiça'".
Sullivan, agora em liberdade, espera a conclusão do seu pedido por indemnização pela condenação injusta. No máximo, a lei britânica permite que receba 1.3 milhões de libras (cerca de 1.4 milhões de euros).
Enquanto isso, o caso do homicídio de Diane foi reaberto. Ainda não foram feitas quaisquer detenções.
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